Trabalhador poderá comprometer FGTS que ainda vai receber para financiar casa própria; entenda

06/09/2022

Proposta está sendo finalizada pelo Ministério de Desenvolvimento Regional e pode entrar em vigor ainda antes das eleições de outubro e será focado primeiro no Casa Verde e Amarela, mas poderá ser ampliado

 

O governo pretende autorizar, às vésperas das eleições, o uso do FGTS futuro — ou seja, a previsão de recursos que o trabalhador com carteira assinada terá no fundo caso continue empregado — para o financiamento do Casa Verde e Amarela, o programa habitacional de baixa renda do governo federal. O objetivo do governo é fazer com que essa previsão de receita entre no cálculo de renda das pessoas que tentam comprar a casa própria, e que estes valores fiquem bloqueados para o pagamento deste empréstimo.

 

Atualmente, a média de renda das famílias contempladas pelo programa é de R$ 2 mil. Elas costumam comprometer 22% dessa renda e assumem uma prestação de R$ 440. Com a autorização do FGTS futuro, poderiam assumir uma prestação de R$ 600, considerando a contribuição de 8% para o FGTS, R$ 160.

 

Ao mesmo tempo que a medida visa turbinar o programa eleitoral no período eleitoral, o uso do FGTS futuro atende a um pleito das construtoras, que estão com estoques elevados de imóveis. Entre janeiro e julho deste ano, foram contratadas 145,2 mil unidades do programa Casa Verde e Amarela, 17,6% a menos que no mesmo período do ano passado, quando foram assinados 176,2 mil contratos. O resultado do programa habitacional deste ano é o pior do governo Bolsonaro, que entre janeiro e julho teve 180,5 mil financiamentos em 2020 e 191,3 mil contratos assinados em igual período de 2019.

 

A ideia do governo, que finaliza o decreto, é permitir que os cotistas possam oferecer aos bancos, no momento da contratação, os novos depósitos para abater no valor da prestação do financiamento. A autorização para o uso do FGTS futuro consta na medida provisória (MP) 1.107, que criou o microcrédito digital para microempreendedores, transformada em lei no fim de agosto. Foi incluída na MP durante a tramitação no Congresso Nacional a pedido do próprio governo para atender o setor da construção civil.

 

Segundo o secretário nacional de Habitação do MDR, Alfredo dos Santos, a medida ainda está sendo costurada e será submetida ao Conselho Curador do FGTS, onde o governo tem maioria. Ele antecipou que norma não deve impor um prazo para o uso do FGTS futuro nos financiamentos habitacionais.

 

— Vai depender de quanto o trabalhador precisa comprometer do FGTS futuro. A caução pode durar quatro anos, seis anos, por exemplo — disse Santos, acrescentando que um dos principais objetivos é ampliar a capacidade de pagamento das famílias.

 

Segundo ele, a estimativa é que a medida possa estimular a contração de 80 mil unidades, além da meta este ano de 330 mil.

 

Multa de 40%

Quem optar, fica com os depósitos bloqueados por determinado período de tempo. Ou seja, se for demitido sem justa causa não poderá sacar todo o saldo da conta do FGTS, apenas a multa de 40%.

 

Segundo o secretário, a cada dez pedidos de contratação, cinco são aprovados, dois são reprovados e três não têm capacidade de renda. Desses, metade é atendida com crédito das próprias construtoras e o restante não consegue o financiamento. A projeção considera este grupo.

 

As famílias beneficiadas pelo programa Casa Verde e Amarela têm renda entre R$ 2,4 mil e R$ 8 mil. No grupo de menor renda, o FGTS entra com a concessão de subsídio, desconto a fundo perdido na hora da contratação do imóvel de até R$ 47,5 mil. E mesmo assim, há situações em que as prestações não cabem no orçamento das famílias.

 

Além do saque integral do saldo para dar como entrada no imóvel, o trabalhador pode a cada 12 meses autorizar que parte dos recursos que ele voltou a acumular seja utilizada para abater até 80% do valor da prestação. E a cada dois anos, pode retirar os valores para reduzir o prazo do financiamento e assim, se livrar de parte dos juros ou reduzir o valor da prestação.

 

Divisão do Conselho Curador

A nova modalidade é polêmica e já divide integrantes do Conselho Curador. Segundo um interlocutor, a medida pode prejudicar o trabalhador, no momento de maior necessidade. Mas beneficia o setor da construção, que reclama dos estoques elevados.

 

Segundo dados oficiais, o ritmo das contratações do programa em 2022 está aquém dos números registrados nos anos anteriores, quando a economia ainda era afetada fortemente pela pandemia da Covid-19.

 

Aumento no valor dos imóveis de um lado, devido ao repasse da alta dos insumos e de outro, queda na renda das famílias são os principais motivos. Para estimular as contratações, o governo vem tomando várias medidas, como por exemplo, passou a incorporar no cálculo dos subsídios dados regionais, como valor do imóvel, renda média da população local e indicares de desenvolvimento econômico.

 

Em julho, fez ajustes nas faixas de renda do programa e reduziu juros. Em agosto, elevou o prazo de pagamento dos financiamentos de 30 anos para 35 anos. A autorização para uso do FGTS faz parte do pacote, segundo o MDR.

 

A estratégia é fazer um teste com o Casa Verde e Amarela e futuramente, ampliar para outras linhas de financiamento com recursos do FGTS, disse o secretário.

 

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, defendeu a medida. Segundo ele, a proposta facilita o acesso ao crédito das famílias de baixa renda e evita o uso do FGTS em saques emergenciais, que serve apenas “de estímulo ao consumo”.

 

—Nós defendemos o máximo possível que o FGTS seja utilizado na linha do patrimônio, no sentido de ajudar a realizar o sonho da casa própria — disse Martins.

 

Contudo, ele defende que a autorização do FGTS futuro nos contratos tenha algum tipo de trava. Uma sugestão seria permitir apenas uma parcela do valor que o empregador deposita todo mês na conta vinculada do trabalhador para que ele possa acumular recursos ao longo do tempo.

 

Fonte e Foto: O Globo