2023 será um ano ainda mais desafiador para a economia, dizem economistas
01/08/2022
Paula Magalhães vê risco de recessão no país com cenário
global desfavorável marcado ainda por inflação e juro alto. Henrique Meirelles
e José Júlio Senna defendem estratégia para elevar produtividade
Com a inflação caindo, mas ainda elevada, juro alto e
desaceleração econômica no Brasil e no mundo, o ano de 2023 tem tudo para ser
ainda mais desafiador para a economia e a população brasileiras, apontaram os
economistas que participaram da última edição do seminário “E agora, Brasil?”,
na última quinta-feira.
Na avaliação de Paula Magalhães, economista-chefe da A.C.
Pastore & Associados, será inevitável uma recessão nos EUA provocada pela
alta dos juros do Fed (que impacta o mundo todo), um cenário que ela também não
descarta para o Brasil em 2023.
Com a alta dos juros por vários bancos centrais no mundo
para conter a inflação, o crescimento econômico global será comprometido e
afetará o Brasil. Por isso, Paula vê risco de contração da economia brasileira
no ano que vem:
—Os números estão mostrando que vai ser um ano muito difícil
para a população brasileira.
A renda do trabalhador, ela observou, está praticamente
entre as mínimas históricas da série atual da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua, do IBGE: caiu 5,1% frente ao segundo trimestre de 2021, o
que inibe o consumo.
A banalização de propostas de emendas à Constituição (PECs)
influencia os indicadores, na visão dele, até porque deteriora a gestão das
contas públicas:
— O risco-país e os juros reais ganharam impulso muito forte
no ano passado, com a PEC dos Precatórios (que adiou dívidas da União
determinadas pela Justiça) para abrir espaço no teto de gastos para políticas
do dia a dia. Isso está prejudicando muito o Brasil.
Paula Magalhães disse não ser possível calcular o efeito da
crise política nos preços de ativos, mas frisa que “o que vem do institucional,
de alguma maneira, está precificado”.
— Houve certa ruptura na credibilidade das instituições
democráticas, como as eleições. Se não tivesse uma tensão política, os preços
poderiam estar melhores — diz a economista-chefe da A.C. Pastore &
Associados, que criticou a PEC que limitou o ICMS sobre combustíveis em busca
de um efeito de curto prazo, às vésperas da eleição, sem um objetivo
consistente de elevar a produtividade do país.
No dia 18 de julho, o presidente Jair Bolsonaro reuniu
embaixadores no Palácio do Planalto para atacar o sistema eleitoral brasileiro.
A atitude provocou reação de países como os EUA e uma mobilização nacional na
defesa das instituições democráticas, que reuniu de banqueiros a sindicalistas,
de empresários a acadêmicos e cidadãos comuns, com mais de 300 mil assinaturas.
O documento intitulado “Carta às brasileiras e aos
brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” vai ser lido no dia 11
de agosto na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, em São
Paulo.
A inflação segue muito elevada —e deve continuar acima de 5%
em 2023 —, corroendo o poder de compra. São fatores negativos que se somam aos
juros restritivos que vão começar a ter mais efeito sobre a economia,
principalmente a partir do fim deste ano, diz ela.
—Vamos entrar em 2023 com a renda comprimida. Embora o
mercado de trabalho esteja melhorando, vai ter uma desaceleração pelo juro
contracionista, com a inflação elevada. O cenário para o ano que vem é muito
difícil — afirmou Paula.
‘Crescimento medíocre’
De forma mais qualitativa, José Júlio Senna, chefe do Centro
de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre/FGV), também disse ver “muita dificuldade” para o crescimento
econômico futuro do Brasil.
Os retrocessos no Brasil em 2022
—São 40 anos nos quais nosso crescimento é medíocre. O ritmo
de crescimento da renda per capita é inferior a 1% ao ano, em média, e a
produtividade é cerca de metade disso. Enquanto não nos voltarmos para
políticas que, de fato, promovam ganhos de produtividade, não tem expectativa
de crescimento robusto —afirmou Senna.
No curto prazo, para além de lidar com as turbulências
globais, o Brasil precisa restabelecer a austeridade e a responsabilidade
fiscal para abrir espaço para a queda da inflação e dos juros e ajudar a tornar
o trabalho da política monetária pelo Banco Central ainda mais eficaz, apontou
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC que
recentemente atuou como secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e
concorreu à Presidência da República em 2018 pelo MDB.
—Tudo isso precisa ser feito para que o Brasil volte a
crescer, apesar do fenômeno global —disse Meirelles, em referência à
perspectiva de desaceleração da economia mundial.
O ex-ministro também reforçou ser fundamental aumentar a
produtividade da economia brasileira, o que, segundo ele, passa por temas como
a educação no longo prazo, o treinamento de trabalhadores no curto e questões
de infraestrutura, além de resolver a complexidade tributária do país com uma
reforma bem-feita.
—O problema todo dessa situação que vivemos é que o curto
prazo é tão grave que ficamos concentrados nele, o que é correto porque tem de
resolver, mas nos desligamos dos fatores de crescimento e do fato de que nosso
crescimento tem sido baixo, e a taxa de crescimento potencial do Brasil é baixa
—disse Meirelles.
‘Batalha não está ganha’
Paula concordou que uma agenda positiva para 2023 seria
trabalhar nas reformas administrativa e tributária, com efeitos na economia.
Senna avaliou que a inflação ainda está muito resistente. Numa média dos
últimos três meses, os preços livres sobem 15,1%, citou.
—Enquanto não houver uma alteração importante nesse ambiente
institucional, muito difícil trazer essa inflação para baixo. Sem estabilidade
institucional, essa batalha ainda não está ganha — disse.
Fonte e Foto: O Globo