EUA registram 250 greves em 2021. Pandemia e Black Lives Matter impulsionam sindicalismo

04/01/2022


Trabalhadores da Amazon tentaram formar, sem sucesso, o primeiro sindicato da empresa em Bessemer, no estado do Alabama, em abril de 2021 Foto: Gabby Jones / Agência O Globo










Amazon, Starbucks e Kellog são algumas das empresas que viram movimento trabalhista eclodir. Jovens pedem melhores condições de trabalho



Funcionários da Amazon no Alabama, baristas do Starbucks em Nova York, trabalhadores da produtora de cereais Kellogg em Michigan e da fabricante de tratores John Deere, em Iowa. Apesar de ocupações e empresas diferentes, eles têm um ponto em comum: estão insatisfeitos com suas atuais condições de trabalho.

Nos casos de Amazon e Starbucks, ainda há a busca pela sindicalização.

Não se trata de casos isolados. Após décadas de perda de poder e influência, a procura pela sindicalização nos Estados Unidos vem ganhando corpo nos últimos anos, e a pandemia intensificou esse movimento. Mesmo quando os trabalhadores de uma empresa não conseguem criar um sindicato, como ocorreu com a Amazon, as tentativas acabam por estimular outras ações.

Segundo levantamento da Universidade de Cornell, até 15 de dezembro ocorreram 250 greves nos EUA. Em outubro, mês com maior número delas, foram 41.

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o interesse na sindicalização já existe há algum tempo. As mudanças trazidas pela pandemia, entre elas uma nova forma de se relacionar com o trabalho, e o crescimento do envolvimento político entre os jovens nos últimos anos ajudam a explicar esse fenômeno.

— Os trabalhadores foram forçados a trabalhar em condições perigosas em muitos lugares. Eles se viam assumindo grandes riscos apenas para receber um salário, enquanto a gerência ficava em casa em segurança e as empresas obtinham lucros enormes. Isso aumentou a insatisfação — diz a professora da Escola de Trabalho da Universidade da Cidade de Nova York (Cuny), Stephanie Luce.

Em 2020, a porcentagem de trabalhadores americanos sindicalizados teve um leve aumento. Passou de 10,3%, em 2019, dos assalariados para 10,8%, ou 14,3 milhões de pessoas, segundo o Departamento do Trabalho. Apesar de pequeno, foi o maior aumento anual em quase quatro décadas.

Mas deve-se levar em conta que a parcela não sindicalizada da população foi a mais prejudicada pela perda de vagas durante a pandemia, o que acaba por aumentar a participação de sindicalizados no total.

Para Todd Vachon, professor de educação para o trabalho da Universidade Rutgers, a pandemia inspirou uma onda de organização, principalmente entre os chamados trabalhadores essenciais. Muitos deles começaram a organizar ações coletivas para pressionar os patrões a tornarem os locais de trabalho mais seguros. Com isso surgiram outras demandas, incluindo a sindicalização.

— Esforços coletivos espontâneos e bem-sucedidos para melhorar as medidas de segurança no local de trabalho inspiraram muitos trabalhadores a ver a ação coletiva como um meio de lidar com queixas de todos os tipos, e alguns deram o próximo passo para formar sindicatos — destaca Vachon.

Além de salários maiores, as demandas costumam incluir horários regulares, regulamentação de horas extras e promoções, treinamento e acesso a benefícios nas áreas de saúde e educação.

 

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Modelos diferentes

Nos EUA, a formação de um sindicato ocorre por empresa e não por categoria, como no Brasil. E há regras diferentes entre os trabalhadores do setor público e do privado.

Os dois modelos têm prós e contras. Mas, segundo especialistas, países com sistemas mais centralizados tendem a ter maiores salários e benefícios para os trabalhadores.

— Quando a negociação acontece em um nível superior, os resultados beneficiam um número maior de trabalhadores, e há potencial para uma greve maior ou ação coletiva para fazer demandas. No entanto, no nível do local de trabalho individual, os trabalhadores compartilham muitas preocupações semelhantes e podem exigir mudanças muito específicas para melhorar seus locais de trabalho — explica Vachon.

Stephanie, da Cuny, acrescenta que a pandemia chamou a atenção da população para as questões trabalhistas, o que garantiu maior apoio público para aqueles que entravam em greve.

 

Segundo a pesquisa anual Trabalho e Educação, realizada pela Gallup, o percentual dos americanos que aprovavam os sindicatos chegou a 68% em 2021. É a maior taxa desde 1965.

O próprio presidente Joe Biden sinalizou apoio a campanhas de trabalhadores, como os da Amazon, que tentaram formar, sem sucesso, o primeiro sindicato da empresa em Bessemer, no estado do Alabama, em abril de 2021.

— A aprovação pública aumentou. No entanto, a situação objetiva permanece inalterada, pois a sindicalização é extremamente difícil. Há uma lacuna, ampliada pela pandemia, entre as aspirações dos trabalhadores e as reais possibilidades disponíveis para eles — ressalta a socióloga do trabalho do Centro de Pós-Graduação da Cuny, Ruth Milkman.

O movimento de greves e tentativas de sindicalização ainda tem relação com outro fenômeno recente do mercado de trabalho americano, a chamada “Grande Renúncia”.

Com a retomada das atividades decorrente da vacinação, muitos americanos deixaram seus empregos, fosse por medo de contrair Covid, por insatisfação com as condições de trabalho e até por uma nova percepção sobre o trabalho e a vida.

Segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA, havia 11,033 milhões de vagas ociosas em outubro, último dado divulgado.

Com menos mão de obra disponível, os trabalhadores ganharam mais poder para barganhar com os patrões. E os que já são sindicalizados têm mais força para fazer greve caso suas demandas não sejam atendidas.

— A renúncia em massa e o desejo de formar sindicatos compartilham a mesma causa básica: o desejo por algo melhor — destaca Vachon.

Starbucks tem 1º sindicato

Um dos casos que chamou atenção nas últimas semanas foi a campanha para sindicalização de três lojas da rede de cafeterias Starbucks no estado de Nova York.

Na unidade de Elmwood Avenue, na cidade de Buffalo, a sindicalização já foi aprovada. Foi a primeira a conseguir formar um sindicato entre as lojas próprias da rede desde a década de 1980.

Em outra loja, a iniciativa foi negada.

A barista Casey Moore, de 25 anos Foto: Divulgação
A barista Casey Moore, de 25 anos Foto: Divulgação

O movimento envolveu a participação de muitos jovens, como a barista Casey Moore, de 25 anos. Ela trabalha na rede há pouco mais de seis meses, mas participa do Starbucks Workers United (Trabalhadores do Starbucks Unidos), organização que ajudou na campanha de sindicalização em Buffalo.

Além de melhores salários, eles reivindicam mais treinamento e a contratação de mais funcionários.

— Ouvi falar da campanha pela primeira vez por um colega de trabalho que perguntou se eu achava que se sindicalizar na Starbucks seria uma boa ideia. Embora eu não tivesse qualquer experiência com sindicatos, meu pai é do sindicato de professores, e eu tinha uma visão positiva sobre eles — conta Casey.

Cada loja é uma unidade de negociação, explica a barista, e deve decidir por si mesma se deseja se sindicalizar, o que envolve muita burocracia.

— A próxima etapa é levar a Starbucks à mesa de negociação — diz Casey. — Com um mercado de trabalho apertado, finalmente temos algum poder, e os trabalhadores estão exigindo um lugar à mesa.

Geração Z

Assim como Casey, muitos jovens têm participado ativamente da luta sindical. Segundo a pesquisa da Gallup, a aprovação é alta entre jovens adultos de 18 a 34 anos, com 77%, e aqueles com renda familiar anual abaixo de US$ 40 mil, com 72%.

Para Stephanie, da Cuny, a participação de membros da Geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2010) em movimentos como o Black Lives Matter contribuiu para que eles apoiassem as campanhas de sindicalização:

— Parece que os jovens estão recorrendo aos sindicatos como uma forma positiva de melhorar suas próprias condições de trabalho.

Mas há quem ache que ainda é cedo para falar em renascimento sindical nos EUA.

— Podemos estar em um daqueles momentos de crescimento agora, mas só o tempo dirá — pondera Vachon.


Fonte: O Globo