Assassinatos de LGBT crescem 30% entre 2016 e 2017, segundo relatório

17/01/2018


Há 38 anos coletando estatísticas sobre assassinatos de homossexuais e transgêneros no país, o Grupo Gay da Bahia (GGB) registrou um aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em 2017 em relação ao ano anterior, passando de 343 para 445. Segundo o levantamento, obtido pelo GLOBO, a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia”, o que faz do Brasil o campeão mundial desse tipo de crime.

 

A causa das mortes registradas em 2017 segue a mesma tendência dos anos anteriores, predominando o uso de armas de fogo (30,8%), seguida por armas brancas cortantes, como facas (25,2%). Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se mais homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBTs.

 

O maior número dos assassinatos (56%) ocorreu em via pública, mas também é grande o número de crimes que foram registrado dentro da casa das vítimas: 37%, segundo o levantamento. A pesquisa mostra, ainda, que em geral esses crimes ficam sem punição. A cada quatro homicídios o criminoso foi identificado em menos de 25% das vezes. Além disso, menos de 10% das ocorrências resultaram em abertura de processo e punição dos assassinos.

 

Tais mortes "crescem assustadoramente" quando comparados com os números registrados em 2000, afirmam os pesquisadores: saltaram de 130 para 445. O levantamento do GGB é feito com base em notícias publicadas na imprensa, na internet e informações pessoais compartilhada com o grupo.

 

Houve ainda significativo aumento de 6% nos óbitos de pessoas trans, indica o relatório.

 

O antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB e responsável pelo site “Quem a homotransfobia matou hoje” critica a falta de estatísticas do governo, uma vez que a homofobia é subnotificada.

 

— A falta de estatísticas oficiais, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, prova a incompetência e homofobia governamental, já que a presidenta Dilma prometeu aprovar, mas mandou arquivar o projeto de lei de criminalização e equiparação da homofobia ao crime de racismo e o presidente Temer não atendeu ao pleito do Movimento LGBT sequer para ser recebido em audiência — afirma Mott.

 

QUEM SÃO AS VÍTIMAS

Das 445 vítimas de homotransfobia registradas em 2017, 194 eram gays (43,6%), 191 trans (42,9%), 43 lésbicas (9,7%), 5 bissexuais (1,1%) e 12 heterossexuais (2,7%).

 

Doze das vítimas foram identificadas como heterossexuais, mas incluídas no relatório pelo envolvimento com o universo LGBT, seja por tentarem defender algum gay ou lésbica quando ameaçados de morte, seja por estarem em espaços predominantemente gays ou serem amantes de travestis.

 

O que mais chama atenção em 2017 é o significativo aumento de 6% nos óbitos de pessoas trans, indica o relatório.

 

Enquanto nos últimos cinco anos as/os transgêneros representavam em média 37% dos assassinatos, no último ano subiram para 42,9%.

 

“Observe-se que tal crescimento é particularmente grave, pois enquanto os gays representam por volta de 20 milhões de habitantes, ou 10% da população brasileira, estima-se que as travestis e transexuais não devem ultrapassar 1 milhão de pessoas (infelizmente faltam estatísticas oficiais sobre tais populações), o que significa que o risco de uma trans morrer vítima da homotransfobia é 22 vezes maior do que os gays”, avaliam os pesquisadores.

 

No documento é comparada nossa situação com a dos Estados Unidos, onde 25 trans foram mortas, ante as 191 travestis e transexuais brasileiras assassinadas em 2017. Diante desses dados o grupo afirma que as trans brasileiras correm 12 vezes maior risco de morte violenta do que as trans norte-americanas.

 

De acordo com o Relatório Mundial da Transgender Europe, de um total de 325 assassinatos de transgêneros registrados em 71 países entre 2016 e 2017, mais da metade (52%) ocorreram no Brasil (171) , seguido do México (56) e dos Estados Unidos (25).

 

CAUSA DA MORTE

O documento revela que 37% das mortes ocorreram dentro da própria residência, 56% em vias públicas e 6% em estabelecimentos privados.

 

Via de regra, travestis que se prostituem são executadas na “pista” com tiros de revólver, pistola e escopeta, mas também vítimas de espancamento, pauladas e pedradas.

 

Os gays são geralmente executados a facadas ou asfixiados dentro de suas casas, lançando mão de fios elétricos para imobilizar a vítima, almofadas para sufocar e de objetos domésticos para tirar-lhes a vida.

 

Diversas vezes o assassino executou no mesmo ato um casal de gays ou de lésbicas: no caso das homossexuais femininas, tais crimes foram perpetrados muitas vezes por ex-companheiros ou familiares inconformados com a união homoafetiva.

 

PERFIL DAS VÍTIMAS

Quanto à idade das vítimas, predominaram assassinatos e mortes na faixa etária de 18 a 25 anos (32,9%), sendo que 41,2% estavam entre 26 e 40 anos; 5,7% eram menores de 18 anos: três travestis tinham apenas 16 anos quando foram assassinadas a tiros na pista.

 

Em 1,9% das mortes, as vítimas eram da terceira idade: o gay mais idoso tinha 75 anos, seguido por um advogado de 72 anos.

 

Os brancos (66%) são as maiores vítimas, seguidos de pardos (27%) e negros (7%).

 

Quanto ao perfil racial por categoria sexológica, observa-se que as transexuais e travestis negras são maioria (38%), seguidas dos gays (31%) e lésbicas (21%).

 

PUNIÇÃO

O relatório ressalta que em menos de um quarto desses homicídios o criminoso foi identificado e menos de 10% das ocorrências redundaram em abertura de processo e punição dos assassinos.

 

A maior parte dos assassinos identificados eram desconhecidos da vítima, relacionamento casual. Apenas 4% (18) dos criminosos eram companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

 

O responsável pela sistematização do banco de dados do site “Quem a homotransfobia matou hoje” , bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais Eduardo Michels, afirma que 99% destes homicídios contra LGBT têm como agravante seja a homofobia individual, quando o assassino tem mal resolvida sua própria sexualidade; seja a homofobia cultural, que pratica bullying contra lésbicas e gays, expulsando as travestis para as margens da sociedade onde a violência é endêmica; seja a homofobia institucional, quando os governos não garantem a segurança dos espaços frequentados pela comunidade LGBT ou vetam projetos visando a criminalização da homofobia.

 

SUICÍDIO DE LGBT

Desde o relatório de 2016, além dos homicídios, são incluídos também os suicídios de LGBT+ no rol das mortes causadas pela homotransfobia.

 

Justifica-se a inclusão pelo fato de pesquisas internacionais revelarem que a taxa de suicídios dentro do segmento LGBT, sobretudo entre jovens, é significativamente mais alta do que entre heterossexuais: “jovens rejeitados por sua família por serem LGBT têm 8,4 vezes mais chances de tentarem suicídio” e “lésbicas, gays e bissexuais adolescentes têm até cinco vezes mais chances de se matarem do que seus colegas heterossexuais”.

 

Em 2017, além dos 387 homicídios de LGBT, o GGB registrou a ocorrência de 58 suicídios no Brasil, sendo 33 gays, 15 lésbicas, 7 trans e 3 bissexuais.

 

Sete suicidas estavam na faixa etária de 14 a 19 anos, 13 entre 20 a 29 anos e 6, de 30 a 36 anos.

 

Alguns deixaram cartas denunciando o sofrimento motivado pela sua homotransexualidade, outros chegaram a gravar vídeo nas redes sociais anunciando sua morte.

 

PERFIL REGIONAL

Em 2017 a média de assassinatos e mortes de LGBT no Brasil foi de 2,14 por um milhão de habitantes, 0,45 superior em relação a 2016 (1,69).

 

Os estados que notificaram o maior número de homicídios e suicídios de LGBT em 2017 em termos absolutos foram São Paulo, com 59 vítimas, Minas Gerais, com 43, Bahia, com 35, e Ceará, com 30.

 

A Região Norte continua acima da média nacional, mantendo a mesma liderança dos anos anteriores, com 3,23 mortes por um milhão de pessoas.

 

Pela primeira vez, nos últimos cinco anos, o Nordeste deixou de ser a segunda região mais homotransfóbica, ultrapassado pelo Centro-Oeste, com 2,71 mortes por milhão de habitantes, baixando o Nordeste para 2,58.

 

As regiões meridionais são proporcionalmente as mais tolerantes às minorias sexuais, avalia o documento: no Sudeste, a média é 1,70 mortes por cada milhão e o Sul, 1,52.

 

Na região Norte, o Acre revelou ser o estado mais lgbtfóbico, com a média mais alta do Brasil, 8,44 mortes por milhão de pessoas, sendo a média nacional 2,14 e a regional, 3,23, duplicando o número de mortes em relação ao ano anterior.

 

A homotransfobia no estado do Amazonas também é particularmente preocupante, já que possuindo a metade da população do Pará, apresentou praticamente o mesmo número de mortes que o estado vizinho, afirmam os pesquisadores.

 

No Centro-Oeste, o Mato Grosso lidera com 4,48 mortes por um milhão de pessoas. No Nordeste, o estado mais violento para a população LGBT foi Alagoas, com 23 mortes, ou seja, 6,81 para cada milhão de habitantes. No Sudeste, o risco de um LGBT+ ser assassinado ou se suicidar teve como média regional 2,39 para cada milhão de habitantes.

 

São Paulo, que em número totais lidera esse ranking, com 59 mortes, apresenta o mais baixo índice de mortes por milhão de habitantes (1,31).

 

A Região Sul tem sido tradicionalmente a área menos LGBTfóbica do país, com uma média de 1,45 mortes por cada milhão de habitantes. No Paraná foram registrados 23 óbitos.

 

Fonte: O Globo