Profissões ligadas ao investimento ainda estão no vermelho

20/10/2017


O mercado de trabalho continua difícil para os profissionais mais qualificados, com ensino superior, mestrado e doutorado, em profissões atreladas ao investimento, especialmente engenharia civil, administração e contabilidade. A dificuldade persiste, apesar da reação que houve no emprego formal como um todo nos últimos meses.

 

De abril a agosto, entre contratações e demissões, houve um saldo positivo de 175,4 mil vagas com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Mas a maioria dos postos é de baixa complexidade e qualificação. Em saídas de crises, geralmente a retomada do emprego começa nos estratos menos qualificados.

 

“Não há nenhuma boa notícia de melhora qualitativa do mercado de trabalho”, afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes. Em parceria com a economista Catarina Carneiro da Silva, da CNC, ele fez um levantamento, a pedido do Estado, para avaliar como anda a geração formal de empregos qualificados. A base de dados foi o resultado do Caged e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

 

De uma lista com 25 profissões de nível superior com participação relevante no total de empregados, 16 geraram liquidamente vagas nesses cinco meses e ampliaram o estoque de contratados. Desse grupo de 16 profissões, a maioria está ligada a serviços essenciais, como saúde e educação. “Profissões que refletem o investimento, como engenharia, estão no vermelho, é preocupante”, diz Bentes.

 

Entre contratações e demissões com carteira de trabalho, foram fechadas 1.221 vagas de engenheiros civis de abril a agosto deste ano. No auge da crise, em 2015 e 2016, foram eliminadas liquidamente 14.494 vagas. O engenheiro civil Reinaldo Chohfi Júnior, de 56 anos, faz parte desse grupo. A última vez que teve trabalho fixo foi em maio de 2015. A obra na qual ele trabalhava parou. De lá para cá o engenheiro, que no início de carreira chegou a trabalhar nos Estados Unidos com cálculo de estruturas metálicas, está fazendo bicos para sobreviver na área de informática e vendas.

 

De 2014 até hoje, o total de engenheiros desempregados no País chega a quase 50 mil, segundo a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE). As contas foram feitas a partir dos saldos do Caged. Nunca houve tantos engenheiros desempregados, quase 10% do total de profissionais no mercado.

 

A maioria é de engenheiros civis, setor afetado pela paralisação das obras de infraestrutura e investimentos, observa o presidente em exercício da FNE, Carlos Bastos Abraham. Há no País cerca de 5 mil obras de infraestrutura paradas. “Faltam investimentos para o setor voltar a contratar”, diz Abraham.

 

De acordo com o levantamento, a engenharia civil está na “lanterna” das profissões de nível superior, com saldo negativo de vagas entre abril e agosto. Só é superada pela profissão de administrador, com um saldo líquido negativo de 1.943 vagas no período. A profissão de contador, que é uma espécie de curinga – pode ser empregado em vários setores diferentes – também está entre as que mais sofrem com a crise.

 

Apesar da versatilidade, o contador Marcio Bidandi, de 45 anos, está sem emprego fixo desde outubro de 2015 e atualmente trabalha como motorista da Uber. “Meu currículo é bom, mas a crise está brava”, diz o contador. Ele conta que mandou inúmeros currículos e tem sido chamado para vagas inferiores à sua formação.

 

“Os saldos negativos no emprego de profissões mais qualificadas é uma sequela da crise, principalmente num momento em que a economia tenta se reerguer sem usar a via do investimento”, observa Bentes.

 

Saúde. Quem liderou a lista das profissões qualificadas que mais geraram vagas entre abril e agosto foi a de enfermeiro, com um saldo de 3.866 postos de trabalho. Ocupações ligadas a setores básicos como saúde e educação puxaram as contratações qualificadas com carteira assinada no período, mostra o levantamento.

 

“Sentimos uma pequena recuperação nas contratações de enfermeiros”, afirma Luciano Silva, membro do Conselho Federal de Enfermagem. Ele atribui a maior parte desse crescimento às mudanças nas regras do setor do que à retomada da economia.

 

A enfermeira Daniela Reuper do Amaral, de 27 anos, teve de mudar o rumo que queria dar à sua vida profissional, após terminar os dois anos de residência, para conseguir uma colocação. Em vez de continuar procurando nas áreas hospitalar e de cardiologia, nas quais se especializou durante a pós-graduação, mandou currículo para uma vaga de enfermeira em um residencial de idosos, e quatro meses e sete entrevistas depois foi contratada. “Minha função tem aspecto mais gerencial e se distingue do que aprendi na vida acadêmica, porque, diferentemente dos pacientes de hospital, o grau de dependência de cada idoso determina os cuidados específicos.” 

 

Silva explica que, a partir deste ano, alguns procedimentos de enfermagem só podem ser realizados por enfermeiros com curso universitário. Por isso, os hospitais tiveram de contratar mais profissionais qualificados. Silva diz que há cerca de 400 mil enfermeiros inscritos no Conselho e o índice de desemprego da categoria gira em torno de 20%, muito superior ao registrado quatro anos atrás, quando estava em 5%.

 

Fonte: Estadão