10 anos após Lei do Saneamento, setor ainda atrai pouco investimento

20/02/2017

Passados 10 anos da criação da Lei 11.445, conhecida como a Lei do Saneamento, os investimentos em água e esgoto pouco avançaram, recebendo volumes de recursos abaixo das necessidades do país e com uma participação ainda tímida do setor privado.

 

Num país em que metade da população não tem acesso à coleta de esgoto, o saneamento permanece como o setor de infraestrutura com o menor volume de investimentos no Brasil. Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o segmento recebeu menos de 10% do total de gastos em obras de infraestrutura feitos no país entre 2007 e 2014, bem atrás de áreas como transportes, telecomunicações e energia elétrica.

 

Segundo analistas e agentes do setor de saneamento ouvidos pelo G1, ainda que o setor demande um maior número de linhas de financiamento, é necessário maior "vontade política" para tratar o assunto como prioritário e fazer com que sejam cumpridos pontos já regulamentados pela lei.

 

Um deles é a obrigatoriedade de elaboração de planos municipais de saneamento básico (PMSB) – ponto de partida para qualquer planejamento de longo prazo para universalização dos serviços de água e esgoto. A data limite para as prefeituras cumprirem a exigência deveria acontecer no final de 2015, mas foi adiada para até 31 de dezembro de 2017.

 

"A lei veio nortear e dar amparo legal para as empresas que operam com contratos firmados com os municípios, que são o poder concedente. Mas os avanços nos últimos 10 anos foram muito tímidos. Os indicadores de saneamento continuam lamentáveis e pífios", diz o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Roberval Tavares. "Hoje, temos mais escolas públicas com acesso à internet do que esgoto coletado e captado nas mesma escolas", compara.

 

Demanda de investimentos de R$ 300 bilhões

Os valores desembolsados para o avanço do saneamento básico, se descontada a inflação, ficaram praticamente congelados nos últimos anos. Em 2014, o investimento total em água e esgoto foi de R$ 12,2 bilhões, de acordo com levantamento do Instituto Trata Brasil, a partir dos dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento), do Ministério das Cidades. Em 2015, segundo dados preliminares, somou R$ 12,7 bilhões.

 

Para atingir as metas fixadas em 2013 pelo Plano Nacional de Saneamento Básico para universalizar em 20 anos os serviços de água e esgoto no Brasil, o Brasil demanda investimentos de cerca de US$ 300 bilhões, o equivalente a mais de R$ 15 bilhões por ano. Pelas contas da Abcon, mantido o ritmo atual, a meta de abastecer 100% da população urbana com água tratada e alcançar mais de 90% de domicílios servidos por rede coletora de esgoto só será atingida depois de 2050.

 

Segundo o Trata Brasil, apenas 36% das cidades investiram nos últimos 5 anos mais de 30% da arrecadação com os serviços de água e esgoto para a expansão ou melhorias do atendimento. A maior parte dos investimentos no setor são patrocinados pelo governo federal. Segundo o Ministério das Cidades, o valor desembolsado passou de R$ 6,54 bilhões em 2014 para R$ 7,44 bilhões em 2015.

 

Poucas empresas privadas

A iniciativa privada ainda tem presença tímida no segmento. Segundo dados da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto), o número de cidades em que a iniciativa privada atua no saneamento, direta ou indiretamente, subiu de 182 em 2006 para 316 em 2016. Isso significa que 5% dos municípios brasileiros ou cerca de 15% da população (cerca de 31 milhões de habitantes) são atendidos por uma empresa privada de saneamento.

 

Entre 2007 e 2016 foram assinados apenas 76 novos contratos de concessões ou parceria público-privada (PPP), a maioria em pequenos municípios e muitos deles por iniciativa das próprias empresas, que se oferecem para bancar os estudos técnicos pré-edital. As novas operações iniciadas após a Lei de Saneamento representaram menos de 30% do total de 258 contratos firmados com concessionárias desde 1994.

 

Dos cerca de 1.500 operadores de serviços de água e esgoto no país, pouco mais de 100 são empresas privadas. Embora pela Constituição, o saneamento seja de responsabilidade municipal, os serviços de saneamento permanecem majoritariamente dominados por companhias estaduais (70% dos municípios). As prestadoras públicas locais ou microrregionais respondem pelos outros 25%.

 

"O que falta (para ampliar os investimentos privados) é o saneamento ser tratado como prioridade de estado, independentes de governos", resume Tavares.

 

Programa de desestatização do BNDES

O setor privado vê neste momento uma janela de oportunidade para entrar no segmento de saneamento. Com a falência das finanças públicas e uma sequência de crises hídricas há novas oportunidades que podem atrair investidores para o setor, segundo especialistas consultados pelo G1.

 

Uma das maiores oportunidades é um programa de desestatização de saneamento que está sendo conduzido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e já teve adesão de 18 estados. No caso do Rio de Janeiro, a privatização da Cedae foi colocada como uma das contrapartidas do socorro financeiro ao estado.

As empresas públicas destes 18 estados atendem a 2,3 mil municípios, prestando serviço a cerca de 90 milhões de habitantes. Destes, 17 milhões não são atendidos com abastecimento de água, 65 milhões não têm acesso a serviços de coleta de esgoto e 74,6 milhões não têm o esgoto tratado.

 

As companhias e áreas de operação que serão oferecidas à iniciativa privada, assim como a modelagem dos leilões – se serão de privatização, concessão, subconcessão ou PPP – só deverão ser conhecidas após a conclusão dos estudos técnicos, previstos para serem apresentados até o fim do ano.

 

Apesar da melhora das expectativas para o setor, empresas e analistas avaliam que uma nova rodada de investimentos só deverá vir a partir de meados de 2018, quando forem conhecidos os primeiros resultados dos projetos que estão sendo formatados pelo BNDES com os estados.

 

Mercado potencial de R$ 120 bilhões por ano

Hoje, o mercado de água e esgoto movimenta um faturamento anual estimado em cerca de R$ 70 bilhões. Desse total, apenas cerca de 10% está nas mãos de empresas privadas, que fizeram investimentos da ordem de R$ 2,5 bilhões em suas áreas de concessão em 2015 ou o equivalente de 20% do total feito em saneamento no país.

 

Segundo a Abcon, o total contratado pelas operações privadas é de R$ 33,18 bilhões, dos quais R$ 12,57 bilhões estão previstos para serem investidos entre 2015 e 2019.

 

A avaliação do mercado é que a fatia nas mãos de operadores privados tem potencial para avançar a 30% caso o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal saia do papel, assim como a exigência de elaboração de planos municipais de saneamento básico (PMSB) por parte das prefeituras.

 

Segundo Carlos Henrique da Cruz Lima, diretor de Planejamento do Grupo Águas do Brasil, uma das maiores empresas privadas do setor com 14 concessões e operações em cidades como Niterói e Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, a receita potencial com a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil é da ordem de R$ 120 bilhões por ano. "Esse é um número que, convertido em qualquer moeda no universo, atrai investidores. O que faltam hoje são projetos", afirma o executivo.

 

As empresas que atuam no mercado avaliam que o momento é favorável também para novas parcerias público-privadas no âmbito dos municípios, em função da posse de novos prefeitos e da crise fiscal que atinge estados e municípios.

 

"A grande novidade é a entrada do BNDES com recursos para contratar estudos, porque cada município tinha que dar uma solução para o saneamento e nem todos dispõem de corpo técnico capacitado ou orçamento para desenvolver estudos técnicos e projetos", diz Hamilton Amadeo, presidente da Aegea, grupo que opera concessões em 45 cidades, incluindo Campo Grande (MS), Piracicaba (SP) e Vila Velha (ES).

 

Fonte: G1